domingo, 8 de agosto de 2010

Vedanta e a vida cotidiana - Yoga em São Caetano do Sul


O Veda, dividido em quatro partes chamadas de Rk, Sama, Yajur e Atharva, é um corpo de conhecimento que trata dos desejos e buscas do ser humano. Estes, que são chamados de purusharthas (os objetivos, artha, do ser humano, purusha), são quatro — dharma, o correto agir; artha, a segurança; kama, o prazer; e moksha, a libertação do sentimento de limitação e carência.

O conhecimento contido na parte final de cada divisão do Veda que está na forma de um diálogo entre um professor e um aluno é chamado de Vedanta. Vedanta trata especificamente deste último desejo, moksha. Ensina sobre o que é o sujeito, analisa o significado da palavra “eu”, o Ser que permanece o mesmo, imutável desde a infância, a juventude, a velhice e a morte, e cuja natureza é Consciência sempre existente e Plenitude, livre de qualquer forma de limitação, a plena satisfação ou contentamento.

Este ensinamento deve ser entendido, apreciado, e para isso são necessários uma mente preparada com maturidade emocional, capacidade de questionamento e desapego. A ausência das qualificações essenciais da mente incapacita a pessoa a adquirir, e principalmente a reter, o entendimento da natureza absoluta de si mesmo. Assim, junto com o estudo de Vedanta, existe uma vida de Yoga. Por essa razão, Vedanta e Yoga estão associados e caminham juntos.

Isso fica muito claro na Bhagavad Gita, no diálogo entre o mestre Krsna e o discípulo Arjuna. Krsna ensina a Arjuna sobre o conhecimento de Brahman, o absoluto, e karmayoga como a arte de agir com desapego.

O processo para a aquisição do autoconhecimento é o estudar, o refletir e o contemplar sobre o que foi escutado. Para isso, a pessoa que deseja esse conhecimento, chamada de jijnasu, deve encontrar alguém que lhe ensine, um professor ou professora que tenha passado também por esse processo de estudo. O estudo requer dedicação e constância, mas não necessariamente um afastamento da sociedade e da família. Como Arjuna, a pessoa pode continuar a cumprir suas obrigações sociais, profissionais, familiares e estudar, ou, como os estudantes que vemos nas Upanishads (os textos dos antigos Vedas), podem renunciar à vida profissional e de casado e dedicar-se exclusivamente ao estudo e posteriormente ao ensino em um gurukulam, uma escola onde vivem o professor e os alunos.

O estudo revela um conhecimento do eu diferente do entendimento comum de si mesmo, que é parcial, com referência ao corpo, à mente e ao intelecto e suas qualidades. O estudo de Vedanta elimina a ignorância do eu fundamental e liberta a pessoa da sensação de limitação e mortalidade. Porém, para lidar com a mente, os Vedas indicam uma vida de Yoga, instrumento para alcançar tranquilidade e uma mente que governe a si mesma, livre de reações mecânicas e pontos cegos. Assim, o Yoga torna-se o meio indireto para a libertação, ou moksha. O meio direto é o conhecimento, assim como o fogo é o meio direto para cozinhar, e as panelas são o meio indireto. E não há alternativa para o meio direto; para o indireto, há escolha possível, dependendo de cada caso. Também para eliminar a ignorância relativa a si mesmo é imprescindível a aquisição de conhecimento, o meio direto; para a capacitação da pessoa há escolhas e este será o meio indireto.

O Yoga compreende uma vida meditativa e uma atitude específica frente à ação e seus resultados; Ashtanga, ensinado pelo mestre Patañjali, como os oito passos para o samadhi, também faz parte.

Ação e reação

Viver uma vida com Vedanta significa estudar, meditar e fazer o que cabe à pessoa dentro de seus papéis como pai, mãe, filho, chefe, empregado, amigo, marido ou esposa, namorado ou namorada, com uma atitude diferente do que é mais comum. As várias situações da vida trazem circunstâncias desejáveis e indesejáveis. É fácil lidar com os momentos agradáveis, mas os problemas começam quando as situações que ocorrem não são de nosso agrado, não são como pensamos que seriam. Nesses momentos é comum a pessoa reagir com irritação, raiva e agressão verbal. Essas ações são chamadas de reações, pois acontecem independentemente da escolha da pessoa. Em determinado momento em que alguém, por exemplo, nos diz algo contra nós ou nossa opinião, imediatamente respondemos com irritação ou nos fechamos, nos sentindo rejeitados e insignificantes. Ambas as respostas são reações, pois não houve um movimento da vontade anterior à resposta. Em oposição a isso, quando alguém diz o que pensa e/ou sente, sem acusar ou agredir o outro, é uma ação.

Reações são automáticas, mecânicas e inconscientes; são formas de agir dentro de um padrão já estabelecido, pela pessoa ou por seus familiares, que se repetem infinitas vezes, até que haja uma reflexão e uma mudança deliberada.

Não é fácil modificar padrões de comportamento, principalmente quando são muito antigos, até mesmo nascidos na infância, do exemplo da conduta de familiares.

Quanto mais nos identificamos com nossa forma de agir, mais difícil é a mudança. Muitas vezes a própria identidade é construída a partir de padrões reativos de comportamento, como se constituíssem a pessoa de tal forma que fosse impossível continuar vivo sem esses padrões.

Por meio do ensinamento de Vedanta, a pessoa se vê como é, livre da mente e de seus padrões de comportamento. Por meio da meditação descobre a paz, o silêncio e a satisfação, como sua natureza essencial. Torna-se então possível analisar os padrões de reação, pois sei que existo sem eles. Será possível perceber o padrão indesejável e estar atento para não repeti-lo. Sem fugir das situações diárias que a vida e nossos muitos papéis nos trazem, sem deixar de agir, pois é necessário interagir no mundo, dar nossa contribuição, pois também recebemos muito.

Krishna diz a Arjuna, nos versos 10 e 11 do capítulo 3 da Bhagavad Gita, que o Universo foi criado para funcionar com a atitude de yajna, de contribuir. Ao contribuir, cada um com sua parte, ao mesmo tempo em que recebe tanto do Universo, o Vedantin ou o yogin faz diferença por causa de sua atitude. A pessoa comum, o samsarin, que interage no mundo com seus altos e baixos e reage quando as situações não são de seu gosto, somente reage. O Vedantin, dedicado ao estudo de Vedanta, que é também um yogin, age deliberadamente, ou mesmo que nem sempre consiga, tem o agir como objetivo. Dentro de uma relação pessoal, deseja notar, e ser suavemente alertado, quando está reagindo para poder modificar sua ação. Essa atitude por detrás da ação faz toda a diferença. É a atitude de que não se quer reagir, mas reconhecer e entender os padrões de reação para se libertar deles e agir da melhor maneira possível em cada momento. Agir conforme seu dharma, seu papel, seguindo os valores universais de respeito ao outro conforme gostaria de ser respeitado pelo outro, e com a atitude de não reação.

Mas por que não reagir? O que ocorre conosco muitas vezes não é injusto? Sentimos que não é aquilo para o qual batalhamos tanto e durante tanto tempo! Muitas vezes parece que alguém se colocou entre mim e meu desejo. Muitos diriam que não reagir é não ter sentimentos e uma vida assim não tem graça!

“Não reagir” não quer dizer não responder à situação, mas responder de uma forma mais efetiva e deliberada, é ter a capacidade de gerenciar a si mesmo, sua mente e, portanto, a situação; poder escolher o que fará, como e quando.

O Universo de Ishvara

Essa visão exige a compreensão da visão de Vedanta de que existe uma ordem no Universo que não falha nunca. Percebemos que existem leis da física que governam o movimento dos corpos no espaço. Existem leis psicológicas que governam a mente e as emoções, leis que governam o movimento dos planetas, dos ventos, da chuva e tantas outras. Existe, sem dúvida, uma ordem cósmica que governa e mantém em ordem todas as outras ordens. Assim também existem as leis que governam as ações e seus resultados. Tudo no Universo parece ser muito bem desenhado, os seres humanos, animais e outros seres vivos são capacitados desde o nascimento para sobreviverem em seu ambiente nativo. Para esta criação tão bem planejada, deve haver um criador que possui conhecimento de toda a criação e poder para sua manifestação.

Para um objeto que é criado, devem existir duas causas — a causa material e a causa inteligente —, como para a criação de um pote de barro. Temos o oleiro, que tem conhecimento e poder para criar o pote, e o barro, o material do qual o pote é feito. No caso do pote, as duas causas são separadas; no caso do Universo, os Vedas nos dizem que o criador precisa do material, mas este não é separado do criador. Como em nosso sonho, em que somos o sonhador, o próprio material do sonho e o sonho, o Universo se manifesta do criador, Ishvara, que é tanto a causa inteligente como a material do Universo. E assim como o objeto não é separado de sua causa material, o Universo não é separado de Ishvara. Todos os objetos, corpos, mentes, sentidos e as leis que governam seus movimentos pertencem ao corpo de Ishvara.

Assim sendo, quando o resultado de minhas ações vem para mim, sei que vem de Ishvara e recebo como um presente ou prasada. Com esse entendimento, a atitude da pessoa muda. Em vez de se ver injustiçada e infeliz e reagir, a pessoa percebe que o resultado da ação veio adequadamente, conforme leis que governam as ações e seus resultados. Tenho uma percepção de que é adequado e uma atitude de receber bem o que veio para mim, o que não me proíbe de executar outra ação, se necessário for, para então conseguir o que quero. Recebo sem reagir. A atitude que me faz receber bem o que vem está sedimentada no conhecimento de Vedanta. A atitude chama-se Karma Yoga; é o instrumento que fará com que a mente dessa pessoa torne-se objetiva, eficiente e tranquila, capaz de lidar com todas as situações com equilíbrio e eficiência. Somente uma pessoa com esse tipo de mente poderá sentar e estudar sobre atman, o sujeito livre de papéis que é ele mesmo, completo e satisfeito em qualquer situação. Este é o objetivo mais alto da vida, parama-purushartha moksha, e o meio para alcançá-lo chama-se Vedanta e Yoga, mais especificamente Karma Yoga.



Por Glória Arieira

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